sexta-feira, 8 de abril de 2011

Peoples of Europe, Rise Up!



Este texto é uma espécie de adenda a outro, aqui publicado, da Sofia Gomes. Não é tanto uma refutação das conclusões e argumentos por ela levantados, mas sim um texto complementar, onde aprofundo questões específicas que, na minha perspectiva, mereciam uma maior pormenorização.


Primeiro que tudo, tenho de fazer uma vénia à Sofia, pois ela trouxe para o nosso humilde espaço de reflexão e discussão um tema extremamente pertinente, nos dias que correm: a questão da União Europeia (UE). Antes de iniciar o meu razoado, tenho de deixar claro, desde já, que sou um ignorante relativamente à orgânica formal, institucional, da UE, pelo que qualquer imprecisão que cometa a esse nível está, assim, explicada. Por seu turno, agradeço que esses erros ou lapsos sejam apontados, e corrigidos, na caixa de comentários, como é natural.


A etapa histórica na qual vivemos demonstra que qualquer resposta à barbárie capitalista tem de ser alargada, abrangente e hegemónica, passe a expressão. Ensaios de saída da crise, através de alternativas políticas socialistas, não são exequíveis de um ponto de vista isolacionista. Se Marx postulou esse princípio geral há mais de um século, o salto qualitativo e quantitativo na mundialização da economia dado entre os anos 70 e 90, vulgarmente denominado de “globalização, tornou-o irrefutável. Se a teoria estalinista foi uma abominação desde o inicio, a perspectiva de um “socialismo num só país” está agora definitivamente morta e enterrada. Assim, construiremos um mundo novo manuseando o legado que o velho nos deixou. Temos a economia global e, no caso da Europa, temos a super-estrutura política: a UE.


Para ser mais claro, usarei a mesma metodologia de organização do texto da Sofia, ou seja, organizarei os temas específicos por pontos.


1) A Sofia começa logo com uma questão de suma relevância em qualquer discussão relativa à UE: a supremacia do eixo franco-alemão, que domina os chamados “países periféricos”. É uma verdade incontornável. No entanto, temos de recuar um pouco e fazer uma sucinta caracterização do que é, de facto, a UE. Na minha perspectiva, a UE foi, desde o inicio, uma plataforma política que permite ao imperialismo franco-alemão dominar economicamente os países periféricos europeus, alguns deles imperialismos menores ou decadentes, como no caso de Portugal, assim como assumir uma posição mais agressiva na economia global. O imperialismo franco-alemão tentou obter essa hegemonia, ao longo do século XX, através do “método tradicional”: a guerra. Os alemães falharam, apercebendo-se que outros métodos teriam de ser usados, nomeadamente, a repartição do bolo com a França e uma espécie de “rivalidade fraternal” com o Reino Unido, sob uma tutela omnipresente norte-americana, o grande vencedor da guerra. A resposta foi, primeiro, a CEE, depois a sua materialização política, a UE. Obviamente que, no plano ideológico, a UE iria apresentar essa trabalhada máscara da “Europa Social”, de bastião dos direitos humanos, etc.


A hegemonia franco-alemã e a caracterização da EU como plataforma política de domínio dos grupos monopolistas ficam, no entanto, confirmadas pelos acontecimentos recentes, relacionados com a crise. Basta ler uma notícia, um exemplo entre tanto outros, segundo a qual o BCE vai voltar a subir as taxas de juro devido, note-se bem isto, ao facto de as “economias mais fortes” (leia-se as potências imperialistas europeias) estarem a recuperar. E a miséria dos “países periféricos”? Ah, isso são meros “danos colaterais” (note-se que esta expressão não é da minha autoria, mas sim dos próprios responsáveis do BCE), passíveis de ser suportados em prol do bem dos tubarões da Europa.


Assim, do meu ponto de vista, esta caracterização permanece actual e penso que a própria Sofia o deixa implícito ao dizer que, de forma a fazer valer as suas revindicações, os países periféricos deviam “apresentar” perante o eixo franco-alemão as suas propostas, como se de um pai austero se tratasse.



2) Mantendo a minha premissa inicial que sou um total nabo no que toca à orgânica institucional da UE, há uma coisa que a mim sempre me pareceu clara. Quem realmente governa a UE são os monopólios. Pelo que me parece, o parlamento europeu e demais órgãos são fantoches sob as mãos da Nestlé, Total, etc. Certamente, a própria Sofia, que estuda as temáticas europeias, saberá dar mil exemplos concretos da dependência vassálica da super-estrutura política europeia relativamente aos grupos económicos hegemónicos. Assim, se no plano nacional, defendemos que os trabalhadores só podem construir uma economia social e democraticamente gerida através da tomada do poder político, penso que o mesmo se aplica à UE.



3) Por fim, no último parágrafo do seu texto, a Sofia começa a apontar o caminho a ser trilhado. Diz-nos ela, e com total razão, que a Europa que nós almejamos só pode ser uma Europa socialista. Ora, a afirmação com a qual terminei o último ponto aplica-se também aqui. Como se constrói uma Europa socialista? Através da tomada do poder politico pelos trabalhadores, únicos actores de uma transformação que caminhe em direcção ao socialismo. Só depois da tomada do poder político pela classe trabalhadora poderemos pensar numa democratização eficaz dos centros de decisão e descarte da hegemonia imperialista, a desvinculação dos monopólios do poder político e o controlo da economia pelo(s) Estado(s) e pelos organismos dos trabalhadores. Como poderíamos dar estes passos, que, a meu ver, fazem parte do código genético do socialismo? Sem querer incorrer aqui na velhíssima questão da “reforma ou revolução”, penso a construção desta Europa não se pode dar por decreto. Seria totalmente impossível a desconstrução da Europa do Capital e o levantamento da Europa do Trabalho através de reformas, de centenas ou milhares de decretos, teclados no gabinete de um qualquer burocrata. Isto sim é uma utopia. Tal apenas poderia ter lugar através de uma transformação radical, vinda da base da sociedade, através do desmantelamento do anterior, para dar lugar ao novo, através de uma revolução social. É notório que tal seria impossível através de reformas legislativas, ao nível da super-estrutura. As tácticas que o socialismo revolucionário (que rareia entre as direcções do movimento político e sindical dos trabalhadores) aplica ao nível do Estado nacional poderão, salvaguardadas as devidas especificidades, ser transplantadas para o plano europeu. Conquanto reconheça a necessidade da esquerda levantar reivindicações transitórias de uma Europa social e democrática, penso que devemos conhecer as suas limitações “naturais” e nunca olvidar a estratégia de transformação radical da sociedade.



Como tal, volto a repetir, no essencial, este texto não refuta as teses da Sofia, apenas as complementa: enquanto o texto da Sofia se mantém no plano táctico, eu escolhi abordar questões mais estratégicas; enquanto a Sofia aborda questões imediatas, eu escolhi empurrar o leitor um pouco para considerações mais teóricas. Ambos os prismas são imprescindíveis para a construção de uma Europa Socialista.

5 comentários:

Caecilia Fonseca disse...

Aqui também vou ter que meter o bedelho ;P Recentemente descobri que o "Lobby" é institucional na Europa e até se encontra regulamentado. E os representantes dos vários lobbies abordam os parlamentares legitimamente. Em Portugal, ainda "só" temos uma pessoa/empresa que tem essa actividade.
É assunto para mais uma "posta".

Tiago Silva disse...

Saia a posta!

Unknown disse...

De nabo para menos nabo, uma questão: O domínio franco-alemão é uma realidade relativamente recente, da parte dos alemães, ou não? Já que a génese (a Sociedade das Nações) terá sido orquestrada mais entre a França e a Inglaterra.

Parece-me que a Alemanha só saltou para o trono depois da queda do muro, altura em que o Reino Unido, com aquela inteligência táctica da escola protestante, começou a desligar da UE e a reforçar o investimento nas relações além-mar (Commonwealth e EUA).

O que achas?

Sofia Gomes disse...

Ó Tiago, desde já fica aqui o meu agradecimento pela tua ajuda no desenvolvimento destas ideias.

Tinha um comentário tão fixe, e esta coisa não o publicou porque ainda não tinha feito login. Que raio!

Pontos essenciais:

Creio que após a II Guerra houve uma preocupação genuína de evitar um novo conflito de natureza tão ou mais destrutiva do que este. Com a bomba atómica no horizonte, julgo que a CECA foi criada nesse sentido. Agora, foi ouro sobre azul, pois além dess objectivo cumpriu-se um outro: fazer frente à URSS e impedir que esta 'absrovesse' mais países.
Depois, ao longo das Comunidades, assinalo dois momentos chave para as suas transformações: a entrada do Reino Unido e a unificação alemã. A primeira é mais que óbvia e trazia os americanos de forma implícita para o seio da União. A segunda, teve custos enormes, superiores ao alargamento de 2004. o Tratado de Maastricht é resultado desse custo. E convém sublinhar que nem a Thatcher nem o Miterrand viram isto com bons olhos pois receavam o poder da economia alemã após a reunificação.

A meu ver, o direito da concorrência na UE tem mais a ver com a protecção dos grande grupos europeus face aos não europeus e o controlo dos auxílios estaduais, ou seja, mão dos Estados no mercado interno.

Finalmente, acredito piamente, como tu, que isto só vai mudar quando os trabalhadores/cidadãos tomarem o rumo da Europa nas suas mãos e isso passa necessariamente pela rua: ocupações, greves, manifestações diárias... não pode ser de outra forma pois o capitalismo é extremamente violento quando ameaçado e nunca cedeu nada a ninguém.

Mais uma vez, obrigada pela ajuda no desenvolvimento destas ideias ;)

Tiago Silva disse...

Penso que a Sofia respondeu à tua questão, Daniel, e corrigiu a minha caracterização, de um ponto de vista histórico.

No entanto, uma nota: como a Sofia deixou entrever, tudo começou como uma plataforma dos países imperialistas, de forma a cumprir certos objectivos, como a manutenção da nova ordem mundial, sem guerras que pudesse ameaçar a hegemonia obtida depois da IIWW; a contenção da URSS; o fortalecimento da intervenção, interna e externa, dos monopólios europeus.

Além das transformações apontadas, há outra que penso que se deve referir: o alargamento da Europa para o leste. Se no inicio a comunidade era um "clube" dos estados imperialistas, uns hegemónicos, outros periféricos,a intervir sobre o mercado interno e, inclusive, ao nível global, agora é como se o "clube" estivesse dividido em três "secções": a)os imperialismos hegemónicos;b) os imperialismos periféricos; c) os países integrados na UE, mas que servem de semi-colónias, caso dos países do leste europeu.

Estes economias e seus estados não cumprem nenhum outro papel, a meu ver, que não seja ser objecto de semi-colonização por parte dos países hegemónicos e, em menor grau, dos imperialismos periféricos.

Ou seja, esse carácter dialéctico da UE, de intervenção e hegemonia dos monopólios no mercado interno e intervenção concertada nos mercados externos, aprofundou-se com a incorporação de semi-colónias na UE.

Não sei se me faço entender, mas também é tarde e estou bastante cansado. :P