sábado, 19 de fevereiro de 2011

Trabalhadores "à rasca" e menos "à rasca", uni-vos!




Olho com o maior interesse para o protesto marcado para o dia 12 de Março, o chamado protesto da “geração à rasca”. Primeiro, devido à forma como foi convocado, por um grupo de activistas que iniciaram a convocatória de modo relativamente espontâneo através do Facebook e da criação de um blog. Ora, foi uma acção de protesto chamada completamente à revelia das organizações sindicais tradicionais, demasiado ocupadas com guerrilhas de gabinete, e os partidos parlamentares, entusiasticamente entretidos a discutir moções de censura a fingir, sem qualquer efeito consequente, a não ser o benefício de uma cobertura mediática, o que não é de menor importância, pois é esta a mão que os alimenta, não a implantação nos movimentos sociais.

A “geração à rasca”, esta camada da classe trabalhadora a que se convencionou chamar o “precariado”, i.e., os “trabalhadores independentes” a recibos verdes, os bolseiros, os dependentes de contratos a termo para postos de trabalho que de temporário não têm nada, os perpétuos semi-desempregados, ou os jovens cuja única experiência no mercado de trabalho resume-se precisamente à falta deste, têm todas as razões para protestar. São a face visível do efeito nefasto que a globalização neoliberal teve nas novas gerações de trabalhadores. Representam o retrocesso civilizacional, porquanto o “precariado” tem numerosas características comuns com o proletariado de épocas anteriores à conquista de direitos sociais básicos, como o direito a férias pagas, 13º mês, contratos estáveis, direito a baixa médica no caso de doença, direito a ter filhos e a uma reforma digna ao fim da vida. E desenganem-se se pensam que estas pequenas grandes conquistas foram realizadas pacificamente, graças ao trabalho dedicado dos nossos doutos parlamentares (não de todos, pelo menos), pois foi a luta e a pressão nas ruas que outorgaram tais direitos a quem trabalha. Em Portugal, apenas uma revolução política e a ameaça de uma revolução social arrancou a ferros estes direitos básicos dos governos burgueses. Assim o foi no passado, e estou bastante seguro que assim o será no futuro.

Apesar de reflectir relações de produção que assumem formas bastante vetustas (chegaria a afirmar, típicas do século XIX), o ressurgimento de uma camada da classe trabalhadora precária, cujas modalidades contratuais estão completamente desenquadradas do contexto histórico onde o movimento sindical português nasceu e cresceu, levou ao desenraizamento daquela em relação a este. Isto é, o movimento sindical, por várias razões, não soube enquadrar esta camada no seu seio. O facto de que os trabalhadores precários muitas vezes não se encontram enraizados numa empresa específica, estão dependentes de empresas de trabalho temporário, logo encontrando-se em permanentes deslocações de empresa para empresa, levou a uma incapacidade manifesta da parte da Intersindical de os enquadrar organizativamente. Digo organizativamente, porque é visível que os sindicatos, nomeadamente a CGTP, já incorporaram a luta pelos direitos dos precários no seu discurso oficial, basta ver a resolução que decidiu a realização da manifestação nacional de dia 19 de Março, onde as reivindicações pelo direito à estabilidade no trabalho e pelo fim do trabalho precário foram insertas. Mas não basta assimilar na consciência colectiva sindical que esta camada social existe, e assumir nos discursos e resoluções que estão do lado deles. É necessário enquadrá-los organizativamente, recebê-los no seio dos sindicatos, para que eles próprios possam enunciar as suas reivindicações, organizar formas de protesto e participar num movimento sindical mais amplo. Óbvio que para atingir este objectivo teria de ocorrer uma autêntica “revolução interna” na CGTP: teria que se permitir uma organização mais flexível para o sector do “precariado”, além de estabelecer práticas mais democráticas e anti-burocráticas no seio do movimento sindical geral, outro dos grandes desafios que os sindicalistas enfrentam, se querem mudanças a sério para a classe à qual pertencem e representam.

Entretanto, é bom que a “geração à rasca” se organize da forma que pode, e o protesto de 12 de Março é um passo importante. Também não é menos importante o protesto marcado pela CGTP, para dia 19 de Março. Da minha parte, espero apenas que desta vez se veicule uma perspectiva de contestação crescente e contínua, além da integração unitária de todos os sectores da classe trabalhadora num objectivo imediato comum: a caída de Sócrates, pois essa é a única maneira de se verificar a “mudança de políticas” que a CGTP eternamente exige. Há que concretizar: para uma mudança de políticas, Sócrates para a rua! Todos os trabalhadores, precários e menos precários, nacionais e imigrantes, homens e mulheres, devem estar unidos nessa luta. É essa a censura que o governo merece, a censura que o pretenda derrubar efectivamente, porque de teatro parlamentar e tacticismos políticos inócuos já estamos nós fartos.

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