sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Algumas notas sobre a revolução egípcia


Mubarak caiu. Um passo importante foi dado no Egipto. A altura é de alegria e de festa, não só para os revolucionários egípcios, mas para todos que sonham com uma terra sem amos, patrões e chefes supremos.


O primeiro impulso para muitos foi gritar “vitória”, enquanto outros proclamam a demissão de Mubarak como o desfecho da revolução, e o ponto de partida para a “transição”. Percebo os primeiros, que impulsivamente confundem a partida com a meta, e certamente compreendo os segundos, entre eles, os líderes europeus e norte -americanos, que temem as consequências do poder revolucionário popular.


A revolução não termina com a demissão de Mubarak, é agora que ela se inicia. Várias tarefas democráticas levantam-se: primeiro, livrar-se de todos os vestígios do regime, ao nível do poder político, económico e militar. Mubarak, Suleiman e respectivos compinchas devem ser julgados e condenados, e as reivindicações nesse sentido já se iniciaram, elevando o tom do protesto. Segundo, os militares não devem continuar a exercer o poder. Eles foram o principal sustentáculo do regime, e não prevejo que o seu carácter e metodologia se altere de um dia para o outro. Certamente que haverá sectores progressistas nas forças armadas, mas nesse caso, deveriam-se organizar independentemente dos oficiais, a maioria deles provavelmente ligados de alguma maneira ao regime moribundo. O papel do exército e da polícia na sustentação do regime de Mubarak não deve, no entanto, ser escamoteado. Em Portugal, confiar no MFA como representante supra-classista dos anseios populares foi um erro que levou irremediavelmente ao golpe de 25 de Novembro.


Terceiro, e ainda no campo da revolução democrática nacional, deve-se garantir a autodeterminação política do país, isto é, golpear o imperialismo ocidental, e sua vertente sionista, na região. O regime de Mubarak era respeitado e protegido tanto pelos EUA como pela EU, que usavam os recursos do país, resignado a uma elite dominante, segundo as suas necessidades geo-estratégicas e militares. Agora, depois de se aperceberem da queda iminente do regime apodrecido, a palavra “democracia” voltou aos seus discursos. Afastam os olhos de Mubarak, começam a falar em “não-violência”, e tornam o olhar para o exército e para os sectores “democratas”, como El Baradei. Também este, o “Spínola” egípcio, deve ser derrotado. Derrotar o regime de Mubarak exige também a derrota do imperialismo e do sionismo, fenómeno central para o futuro da região.


E a partir daqui é que as coisas se tornam espinhosas. As reivindicações económico-sociais, reais motores da revolução, irão emergir, e desaparecerá a aparente "unidade" do povo egípcio nas suas demandas. Já se notam as tentativas de “esvaziar” o conteúdo das exigências do povo egípcio. Os comentadores geralmente falam numa luta pela democracia, pela liberdade política, e nada mais. Diga-se, da mesma forma como se depurou a revolução de 1974 – 1975 em Portugal do seu carácter pró-socialista. Segundo a ideologia dominante, o Abril português não foi essencialmente uma luta pela emancipação dos trabalhadores e por melhor qualidade de vida. Não, foi apenas uma luta pela democracia e pela liberdade, conceitos tão abstractos e relativos na boca da burguesia. O mesmo acontece no Egipto. Ignoram a raiz material do movimento revolucionário. Esquecem-se dos mais de 40 milhões de pessoas, metade da população, que vive com menos de 50 euros por mês. Esquecem-se dos 23% de crianças com menos de 15 anos que vivem na miséria extrema, devendo-se confrontar estes exemplos com aqueloutro dos burgueses que vão a Londres e voltam no mesmo dia para cortar o cabelo ou tomar uma refeição. A origem da revolução, lá como cá, é a mesma: miséria, desigualdade e repressão. Quando as reivindicações subirem de tom, e espero que subam, e se exija à burguesia, tanto a corrupta como a menos poluta, que se afaste do poder, aí sim, a revolução assume as suas formas finais. Isto não é uma luta por “democracia”. Não é uma mera troca de um capataz bruto por outro mais meiguinho. É uma luta de morte pelo direito à habitação, comida, saúde, educação, em suma, uma vida digna. Para isso, nem Mubaraks, nem Baradeis e muito menos Obamas. Poder popular é a resposta. Como se vê, a situação tem incríveis similitudes com a portuguesa. Esperemos que, lá como cá, surja um movimento de massas e uma direcção política à altura das tarefas que se impõem.


P.S: Não deixo de esboçar um sorriso, ao relembrar que o movimento de massas foi despoletado por um grupo de bloggers e “facebookers” que convocou uma modesta manifestação espontânea no dia 25 de Janeiro, em memória de Khaled Said, assassinado pela polícia meses antes. Pois é caríssimos, eu tinha razão: os novos meios de comunicação webísticos têm um papel a cumprir na mobilização geral. Censurar um revolucionário de hoje em dia por ter blog e perfil de facebook é o mesmo que censurar um bolchevique russo do início do século XX por utilizar a rádio como forma de divulgação. Ainda que não tenha sido o elemento decisivo, a web fez mais pela revolução no Egipto que as trinta mil publicações das outras tantas Quartas Internacionais.

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