domingo, 6 de março de 2011

A culpa é dos partidos.

Quantas vezes não ouvimos já alguém dizer isto? Os partidos tendem a ocupar o espaço que os judeus e outras minorias tomaram no período entre as duas grandes guerras. Ou não é verdade? Quantas vezes não ouvimos um amigo ou um familiar nosso afirmar convincentemente que "a culpa desta m**** toda é dos partidos"?

Recentemente, verifiquei a validade daquela afirmação no decurso das discussões geradas na página do Facebook do protesto Geração à Rasca. Muitos dos participantes (ou pelo menos, previstos participantes) do protesto deixam claro que não querem a participação dos partidos e muito menos a presença de símbolos ou bandeiras de qualquer organização partidária no evento.

Na verdade, eu percebo a desconfiança à volta dos partidos, assim como acho que ela tem uma origem bem fundamentada: a podridão do regime político, logo, dos partidos que dele se alimentam. No entanto, acho que as coisas devem ser equacionadas fria e racionalmente.

O problema que afecta a decadente democracia portuguesa não é a existência de partidos. Os partidos não são maus, muito menos "bons". Os partidos são, tão somente, o que as pessoas fazem deles. A credibilidade de um partido, a meu ver, depende dos seus métodos organizativos, da sua actuação ética e, acima de tudo, da classe social que representam e sua componente programática. Se um partido se assume como neoliberal e defensor do emprego precário e descartável, logicamente quero que ele se vá manifestar bem longe da Av. da Liberdade, no dia 12 de Março.

Por outro lado, se um partido cujo programa vá de encontro às reivindicações do protesto, ou seja, o direito à educação, ao trabalho, pelo fim da precariedade, etc., quiser participar, ele será sempre bem vindo ao protesto. Aliás, tal como serão todas as pessoas que comunguem das mesmas reivindicações mínimas. Podemos questionar os projectos estratégicos de partido A ou B, mas algum ponto comum inicial, passível de estimular um diálogo, terá de ser encontrado.

O direito à liberdade de organização e de filiação partidária foi uma conquista de Abril, e tem sempre de se ter isso em conta. Eu próprio estive organizado partidariamente durante muitos anos e, desde há uns tempos, optei por desfiliar-me e cindir com o partido ao qual pertencia, com críticas algo similares às que a generalidade dos partido-cépticos costumam fazer. No entanto, não culpo a própria liberdade de organização ou essa categoria lata, "os partidos", pela faltas nas quais o meu partido incorreu. Da mesma forma, não vislumbro alternativa partidária consistente no panorama partidário actual. Ainda assim, acho que se realmente queremos alterar a nossa situação e melhorar as nossas condições de vida, teremos que assumir respostas políticas. Penso que a resposta a dar àqueles que nos governam terá de ser, invariavelmente, política e organizada. Ora, qualquer acção política organizada necessita, forçosamente, de uma estrutura organizativa. Se a designação "partido" vos faz confusão, podemos chamá-la "movimento cívico", embora não acho que a designação seja o elemento decisivo.

Eu continuo a achar que para transformar a sociedade necessitamos de organização. A podridão do regime político reflecte um tecido económico tremendamente ultrapassado e injusto para a esmagadora maioria da população. Aí se encontra a raiz do problema. Só conseguimos empurrar os nossos capatazes para fora do seu pedestal desenvolvendo o protesto até a forma de luta política. Não inviabilizem organizações partidárias futuras, que poderão assumir um papel progressivo nas lutas que aí virão, pelos erros das formações partidárias que hoje conhecemos. Querem lhe chamar "movimento", por pruridos semânticos? Que seja. O que continuará a ser determinante será o seu papel político e histórico, o seu programa e a sua acção.


Estão fartos dos partidos que temos? Construamos outros, derrubemos o podre regime político e levantemos um outro, fundado numa outra economia. Uma que permita alcançar todos os direitos que vamos reivindicar dia 12 de Março. Porque por todos os protestos que façamos, só derrubando a clique política e económica que nos domina é que vamos lá.

2 comentários:

wasaaaaaaa disse...

Creio que nenhum partido que tem assento na A.R. actual deveria ter uma bandeira neste movimento civico. porque? porque todos eles tem culpas efectivas e praticas da situaçao social e economica portuguesa. E porque todos os seus representantes usufruem sem excepçao das benesses, das regalias do poder e do favor inaceitaveis a quem deveria dar o exemplo.
Alem disso creio que essas bandeiras afastarao muitas pessoas que querem mudanças efectivas sem limitaçoes de quandrantes ideologicos. Alem disso como simbolos as bandeiras dos partidos significam nesta manifestaçao o passado. E os simbolos sao importantes e motivadores. E se os partidos sao necessarios as politicas nao deixa de ser verdade que a nossa democracia representativa pode e deve rever muitas das regras com que asfixiam os independentes. E consequentemente asfixiam o pensamento livre de pressoes de grupo e de interesses organizacionais e de marketing politico.

Tiago Silva disse...

Antonello, como o texto deixa entrever, discordo de ti numa série de pontos. Não vou estar a repetir o que já disse no texto, relativamente ao facto de que muitas vezes, caímos na área da semântica e não de política. Por exemplo, o que é um partido senão um ””movimento cívico”? Aliás, o PCP, por exemplo, é capaz de ser dos movimentos cívicos mais antigos deste país. Enfim, mas percebo a distinção que fazes.

Ainda assim, não penso, e , uma vez mais, caio no risco de repetir o que já disse no texto, que se deva pôr tudo no mesmo saco. Os partidos parlamentares e os deputados que os representam não sao todos iguais. Primeiro, temos os partidos do arco do poder, desde o CDS até ao PS, que participaram nos governos que aprofundaram a situação de precariedade laboral, contra a qual vamos protestar. Assim, se propusesses que proibiriamos todas as bandeiras destes partidos, aí sim, já tenderia a concordar contigo.

Por outro lado, existem partidos (com os quais tenho sérias divergências programáticas, o que torna a minha defesa insuspeita) cuja actuação na AR tem sido bastante diferente, no que toca á questão específica da precariedade. O PCP e o BE sempre foram vozes activas dentro do parlamento contra esta situação e apresentaram propostas no sentido de a resolver ou minimizar. Tanto um como o outro denunciaram os falsos recibos verdes, a injustiça do novo código contributivo, e o PCP inclusive apresentou uma proposta de criminalização de todos os falsos recibos verdes. Propostas que sempre foram inviabilizadas pelos tais partidos do arco do poder.

Há diferenças entre os partidos e, muitas vezes, cai-se nesse discurso de culpar os partidos apenas porque sim. Porque queremos culpar alguém e nem nos damos ao trabalho de reunir um conjunto de informação que nos permita tomar posições fundamentadas. Por vezes, é-se contra os partidos porque é ”fixe”. Conquanto, não estando organizado partidariamente, nem me comprometendo com o programa estratégico de nenhum dos partidos existentes, não posso concordar com isso, nem excluo a minha filiação num futuro partido, que se revele uma alternativa política para o país.

Uma vez mais, eu penso que a desconfiança em relação aos partidos e à forma baixa de fazer política é fundamentada. Agora, não deve degenerar em anti-partidarismo primário. Analisemos caso a caso e, acima de tudo, aprofundemos o nosso conhecimento sobre o percurso político de cada partido, antes de os querermos ”expulsar” do protesto. Em relação a isso, acho que a organização teve a conduta correcta, ao abrir o espaço para a participação dos partidos cuja linha política defende as bandeiras do protesto participarem, como movimentos cívicos, associativos e políticos que são.

No entanto, ressalvo que, se a questão é levar bandeiras, não quero proibir nada, mas também não acho que seja de bom tom os militantes dos partidos levarem cada um a sua bandeirinha, o que pode levar a um fraccionamento de um protesto que se quer abrangente. Nem 8 nem 80.