terça-feira, 1 de março de 2011

O Daniel Oliveira e a extinção da ADSE

Ainda que o seu partido ande um tanto titubeante, o nosso douto Daniel Oliveira parece fazer questão de demonstrar que o mesmo não se verifica relativamente ao seu percurso político individual. De facto, o Daniel Oliveira prossegue a sua decidida caminhada em direcção ao social-liberalismo, de dois passos à direita em dois passos à direita, até a direitização total.

Então não é que o dito “fazedor de opinião” reformou a sua agenda política para o SNS, de acordo com a direita, e proclama como medida central para a reforma deste sector a eliminação da ADSE? É verdade, não é de Sócrates nem de Passos Coelho que falo, mas sim do “esquerdista democrata” Daniel Oliveira, timoneiro da ala social-democrata do BE….

Antes de dar azo a populismos, clarifiquemos a questão. Não nego que a existência da ADSE, como subsistema de saúde exclusivo ao funcionalismo público, comporta a manutenção de alguma injustiça, nomeadamente, em relação aos trabalhadores do sector privado. É uma verdade inegável. No entanto, quando se pretende combater a injustiça (e eu não duvido das boas intenções do Daniel, mas delas está o inferno cheio, como sabemos) através de propostas políticas concretas, temos de ter o discernimento de reconhecer de antemão o impacto que essas medidas teriam no tecido social real, ao contrário de as enunciar apenas no plano teórico.

Assim, não sei se o Daniel Oliveira consegue imaginar sequer o efeito que a extinção da ADSE teria na qualidade de vida dos funcionários públicos. Numa etapa de destruição progressiva do SNS, os serviços comparticipados pela ADSE são a única alternativa para muitos trabalhadores do sector público, quando tentando beneficiar de serviços de saúde de qualidade. Ir a um dentista ou a um oftalmologista não é um luxo nem um privilégio, mas deveriam ser, isso sim, serviços médicos disponibilizados a toda a população e a todos os trabalhadores, do sector público ou do privado. No entanto, extinguir a ADSE neste contexto, seria ampliar a injustiça (que a ausência do direito a serviços de saúde também é uma injustiça) ao único sector da classe trabalhadora que conseguiu preservar alguns direitos nesta área. Ora, expandir as injustiças é nivelar por baixo e acho que a resposta da esquerda não deve ser essa.

Todavia, o Daniel Oliveira tem toda a razão quando verifica a contradição que emerge desta situação. Na falta de um SNS realmente universal e de qualidade, aos trabalhadores do sector público é dada a possibilidade de recorrer à oferta privada, comparticipada pelo Estado, enquanto que tal possibilidade não se encontra aberta à generalidade dos trabalhadores do sector privado. Até aqui, estamos de acordo, mas face a estas duas premissas, qual é a origem do problema, isto é, da contradição? A existência da ADSE ou a inexistência de um SNS gratuito, universal e de qualidade? A meu ver, é claramente a segunda, e é nessa tecla que a esquerda deve bater.

Em adição a isto, o Daniel Oliveira queixa-se do efeito nefasto que a manutenção da ADSE tem nas contas públicas, isto é, do peso que as comparticipações terão no orçamento estatal. Também aqui o Daniel tropeça, como já começa a ser habitual, no que devem ser as bandeiras da esquerda de combate. Continua a fazer o jogo da direita liberal e social-liberal, que insiste em resolver o problema das contas públicas à conta dos desprivilegiados. O Daniel está preocupado com as contas públicas? Então, reivindique o não-pagamento da dívida aos agiotas dos bancos, que exija a nacionalização dos sectores centrais da economia, como a GALP, que tão lucrativa se revela. Exija um imposto sobre as fortunas e o fim dos offshores e do sigilo bancário, como o seu partido justamente defende. Não entre na armadilha levantada pela direita e pelo PS de arremessar nas costas dos trabalhadores, especialmente nos “privilegiados” funcionários públicos, o peso de um capitalismo em crise profunda, que brande o desmantelamento da economia pública como solução para rentabilizar o seu capital.

Não é alargando as injustiças a toda a população amanhã que se resolve as que afectam um sector dela hoje. Pelo contrário, é generalizando a toda a população amanhã os direitos que apenas um sector usufrui hoje. Depois de termos um SNS total e absolutamente público, gratuito e de qualidade, obviamente que eu e o Daniel Oliveira estaremos lado a lado a defender a exntinção da ADSE ou outros subsistemas de saúde exclusivos para um sector da classe trabalhadora. De qualquer forma, ao existir um SNS com aquelas características, acho que a própria ADSE autoextinguir-se-ia na prática, sendo completamente desnecessárias da nossa parte quaisquer prolixas contribuições retóricas para a resolução do assunto. Senão, se houver serviços de saúde públicos acessíveis de forma gratuita, que sentido faria para um trabalhador público recorrer a um serviço privado, ainda que comparticipado pelo Estado?

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