segunda-feira, 7 de março de 2011

Da extrema-direita e as suas palermices

Não costumo ligar muito à extrema-direita portuguesa. Os gajos falam, mandam tiros ao ar, propagandeiam um nacionalismo... ridículo, no mínimo - mas nada disso me costuma afectar.

Os que vou ouvindo falar, não têm consciência da história do país: rebelam-se contra inimigos cuja conceptualização é importada do arianismo - esse sim, perigoso, tendo em conta a militarização e projecção global que tem -, o que é irónico; desconhecem a pluralidade expressiva da população deste país (que altera, bastante, de norte a sul - poderíamos anda questionar até que ponto essa identidade-nação pode ser sequer levantada como algo relevante, tendo em conta as disparidades) e a maioria é composta simplesmente por broncos que têm dificuldade em expressar português correcto.

Ao mesmo tempo, cresce em mim um cinismo em relação a este povinho que nos rodeia diariamente. Nunca serei nacionalista - o "povo" (e esta é uma realidade que a ala comunista se recusa a admitir) é estúpido e não me parece proveitoso brandir a bandeira de um país que:

- não se mobiliza
- aplaude o compadrio
- sofre por opção

Remeto, assim, para a liberdade individual (incluindo o direito à estupidez) as questões de sociedade. Defendo que o esforço deve concertar-se no sentido de criar plataformas globais de saúde, educação, trabalho. De qualidade - da melhor qualidade. De acesso sem restrições. Garantir que todos os que nasçam - todos - numa sociedade livre, segura e inteligente.

Deixar cair estes que são, para mim, direitos fundamentais, é abrir o caminho aos abutres. Rebentar uma crise falseada pela especulação do mercado; uma guerra falseada pelo enriquecimento de uns; um empobrecimento colectivo das camadas menos ricas falseado para gáudio de certas elites controleiras - fazer tudo isso que se faz, diariamente, nesta europa, abre o caminho aos abutres.

Eu já desde há muito tempo ouço dizer que em tempos de crise o povo vira à direita. Inimigos fictícios alimentam guerras fictícias e tudo isso alimenta as barrigas da elite europeia. Imigrantes. Mercados internacionais. Terroristas. FMI. Assustar o povo é retroceder à guerra constante.

Passados mais de dois mil anos, já era altura de nos apercebermos disso.

PS

5 comentários:

Tiago Silva disse...

Não confundas "povo" com "Nação".

Não é marxista brandir o bandeira de um povo idealizado. O marxismo parte de classes concretas e, por exemplo, nunca se poderá assumir que o operariado do Barreiro terá o mesmo papel político e social que o campesinato pequeno-burguês de Trás-os-Montes e o Minho. No entanto, ambos fazem parte do "povo".O povo dos comunistas é tão-só uma amálgama de classes, essas concretas e cientificamente definidas, cujos interesses se encontram momentaneamente unidos. No entanto, têm papeis muito diferentes na perspectiva marxista de transformação revolucionária da sociedade.

O "povo" da extrema-direita é um povo idealizado, inexistente a não ser na suas cabeças ocas e carecas. O mesmo se aplica ao conceito de nação. Nem um nem outro conceito são abordados de um ponto de vista histórico, económico ou sociológico.

Mas Daniel, não sejas derrotista. O nosso povo não é estúpido. Os movimentos sociais são assim mesmo. As mobilizações transformadoras dependem de muitos factores, muitos dos quais é-nos impossível controlar ou prever. Podemos fazer a nossa parte, que é alertar para a necessidade de mobilização. Da mesma forma, temos de discernir quais são os sectores desse imenso "povo" susceptíveis de empurrar o resto da sociedade para a mudança. A seu tempo, as coisas vão lá :)

Unknown disse...

Eu não sou derrotista. Não irei é avançar um pensamento político a partir de uma ideia do que pode ser ou não "povo" (ou país, nação - sim, porque não são a mesma coisa mas a ideia de um assenta na do outro), para apenas me conformar com a parcela que no fim vai concordar comigo.

Não sou derrotista porque, como disse, defendo o direito à estupidez. Eu sou ignorante, há demasiadas coisas que não sei, não pensarei assim qualquer coisa diferente dos que me rodeiam. Aquilo em que acredito passa precisamente pela ideia do engajamento livre, sem estar à espera que as massas se unam para fazer isto ou aquilo.

Porque as massas unem-se mas o problema, como disseste, é para quê. Tanto se juntam para exigir aquilo a que têm direito (enquanto indivíduos) como para enfiar a filha do Le Pen na presidência. Eu a esta gente não me associo!

Tiago Silva disse...

Daniel, mas as transformações são sempre feitas por "parcelas" da população. Não há nenhuma revolução onde o "povo" como um todo actue de forma homogénea. A solução não é conformares-te com os que concordam contigo, mas saberes de antemão quais são os sectores da sociedade que se encontram numa condição sócio-económica susceptível de transformar a realidade em algo melhor, mais justo. Que lhes permita construir uma nação e um mundo sobre outras fundações.

Isto não é um pensamento político construído sobre um conceito abstracto de povo, mas sobre condições concretas. Isto é, constata-se que as estruturas económicas, além de inerentemente injustas, encontram-se em franca decadência. Verificamos que essas estruturas criaram possibilidades objectivas de construção de outras estruturas superiores, mais avançadas, logo, mais justas, sobre aquelas que decaíram. Olhamos à nossa, e apercebemo-nos quais são os sectores do "povo" que são mais afectados pela decadência económico-política, e quais os que se encontram em condições de engendrar relações sociais completamente novas. É sobre esse sector social que avançamos a nossa "ideia", as nossas propostas políticas.

Mesmo esses sectores podem ser, e são-no de facto, mobilizados por propostas reaccionárias, como os partidos fascistas à lá Le Pen. Mesmo esses sectores não são homogéneos e possuem contradições internas. Há sectores politicamente esclarecidos e outros menos. Mesmo aí, deve-se ter o discernimento de as enquadrar na acção política de massas. Ou seja, ninguém idealiza nada aqui. Não é uma questão de ignorância ou estupidez, mas de desejo de mudança e de escolha que não são feitas, muitas vezes, sobre uma base racional. Por isso, também aí tem de incidir uma acção política eficaz.

Tudo isto só para dizer que usar o conceito abstracto de "povo" é completamente não-marxista. O único motivo que admitiria que fosse usado é do ponto de vista de agitação social, nunca do ponto de vista cientifico, ou adaptado a qualquer resolução política.

Não refuto que o engajamento livre é progressivo, especialmente em etapas de reacção, como a que atravessamos desde a destruição da revolução de Abril. Na verdade, a união é motivada pelo engajamento livre de milhões de pessoas, e são estas uniões que protagonizam as transformações revolucionárias duradouras, que penso que deve ser o objectivo final. A união faz a luta, mas é preciso ser tenaz e, infelizmente, muito paciente. Entretanto, engaje-nos onde nos pudermos e preparemos o terreno para a união, que não duvido que ela terá o seu lugar.

Unknown disse...

Deixa-me só esclarecer dois pontos:

Eu disse que o povo é estúpido como forma de resposta ao idealismo palerma. Como vim a acrescentar (ainda que de relance), não penso sequer que se possa falar em coisa colectiva, não nessa dimensão. Nesse sentido, não há povo estúpido, porque não há povo!

Há, claro, pessoas estúpidas, mas isso é porque não gosto delas - mais uma vez, não ligo a essa ideia colectiva. Isto digo-o relacionado directamente comigo, para proteger a minha sanidade mental.

Também, em segundo lugar, concordo com o que dizes. Eu sei que a teoria crítica marxista não se prende a ideias de povo - daí ser apelidada de materialismo, precisamente porque rompe com análises sociológicas que buscavam alguma essência primordial nos grupos e nas pessoas, agarrando apenas na necessidade e nas formas de produção.

A minha provocação da ala comunista não se dirigia à teoria crítica de inspiração marxista, que eu próprio subscrevo em grande parte (com as devidas actualizações por que todo o pensamento passa ao fim de século e meio) mas sim a certas práticas e discursos da nova esquerda de inclinação comunista que se serve da parte para falar em nome do todo.

Parece-me que há alguma dificuldade em distinguir discursos. É do jogo político falar em generalizações, já que no parlamento raramente se joga conhecimento duro. Cá para fora, no entanto, não suporto que me incluam em formas tipificadas - movimento, geração, grupo - acriticamente, com aquele jeitinho politiqueiro de fazer transportar com o grupo os fundamentos teóricos do movimento político que esses políticos defendem.

Não é um manifesto contra os políticos, é contra uma certa forma de fazer política.

Nisto tudo, também digo que sou idealista - até certo ponto -, que tento defender plataformas de interacção comunitária. Não o faço a nível partidário por opção, faço-o quotidianamente.

Tentei esclarecer, porque facilmente o cinismo que apresentei cai em liberalismo e tecnocratismo. Coisa que me faz espécie.

Quase tanta como aquele palavreado policial do Paulo Portas.

Tiago Silva disse...

É curioso que o termo "povo", vem do Ancien Regime, como forma de designar todas as classes sociais que não se enquadravam nas classes dominantes, i.e., nobreza e clero. Assim, o Belmiro de Azevedo até podia ser considerado do "povo", pá! :P