segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Respiganço

Andando pelos caminhos da web, encontrei em http://www.ielt.org/pagina/investigacao/9, um texto muito interessante que reproduzo aqui, em parte:

"Os respigadores e a respigadora

O filme OS RESPIGADORES E A RESPIGADORA de Agnès Varda (2000) oferece pistas para a reflexão sobre o trabalho da colecção, da memória, do museu, da (re)criação. Enformado por esta perspectiva teórica, estudam-se RESTOS , sobras, excrementos, ruínas, cinzas, memórias: less is moreHistória da Carochinha, A Formiga e a Neve, O Pito-Suro, O Macaco e a Romãzeira ). O discurso reinante e o poder do pequeno, questões de linguagem nos textos em que os vivos se entendem. (François Dagognet), pormenor e diversidade, desafios ao cânone.
"À mão de respigar"
Colecção "à mão de respigar" (Apenas Livros/ IELT com o incentivo do Centro de Tradições Populares Portuguesas Prof. Manuel Viegas Guerreiro). Esta colecção de folhetos de cordel (vd. PUBLICAÇÕES) nasce justamente desta atitude face ao resto que vem enformando todo o trabalho destes investigadores: a literatura tradicional como resto, sobra de uma realidade cultural em extinção. Pela sobriedade e simplicidade, poderíamos adjectivar a literatura tradicional de humilde, termo que transporta consigo humus, solo, rente ao solo. Serve esta denominação porque ela também implica a ideia de fertilização operando sobre a cultura erudita de um país. Uma representação iconográfica da Humildade é a de uma mulher com a mão esquerda no peito, mantendo a direita estendida e aberta. O rosto dirige-se para o céu e os pés pisam um víbora enrolada a um espelho partido. A humilde literatura de transmissão oral seria bem representada pela Gata Borralheira: porque se diz ao borralho, à lareira; porque é cinzas, borralho; porque não é ou não parece nobre; porque se torna nobre com a acção de príncipes que a acordam e a despertam (a "Bela Adormecida" de que falava Garrett em relação à pátria... ); e finalmente porque... vestida para ir ao baile, parece uma princesa. A roupagem em que se envolve - afinal, o olhar com que nela atentamos, a dignidade com que a publicamos em folheto ou obra de lombada - coloca-a no seu lugar essencial e não no lugar acessório e supérfluo do adereço ou da curiosidade 'folclórica'.
Lidar-se-á com o destino cruel da literatura tradicional, a sua morte prematura (uma tradição de séculos, feita desaparecer em algumas décadas), quer fazendo-a renascer sob outras formas, dando-lhe outro destino, outro sentido, quer - remetendo para o "Romance de Pompeia" de Mourão-Ferreira - não desenlaçando os braços do ponto de eternização antigo por perigo de decomposição face ao que "por cima se tem passado".
Antes o fim que nos coube
Se é que fim pode chamar-se
 
Para que não morra com a terapia do tratamento institucional, ensaiamos empregar formas de a manter, se não viva, pelo menos visível. Além da conservação dos vestígios do passado, enfatizamos a atitude de dar a ver e ouvir a tradição, um húmus que só com o tempo se vai formando, que pressupõe uma morte não definitiva mas geradora de nova vida, um húmus onde outras culturas enraízam.
Reciclagem, transmutação, "transfiguração do banal"
Visamos prosseguir dando a conhecer manifestações artísticas da contemporaneidade que tenham subjacente a ideia de reciclagem, de transmutação, de "transfiguração do banal" (Arthur Danto) e incentivar uma prática culta actuando sobre materiais habitualmente considerados menores - evidenciando a sobrevivência do popular a nível da cultura urbana particularmente em casos de emigração e migração. O outro olhar sobre o próximo nasce na lonjura.
Haverá que continuar reflectindo e respigando restos de diferenças e identidades em estudos sobre diversos materiais, sujeito a atitudes ambivalentes enquanto património (i)material: cortiça (com a colaboração do sociólogo Manuel Lisboa e do consultor de empresas na área da comunicação, Carlos Oliveira Santos, autor de O Livro da Cortiça. Lisboa, 2000); calçada portuguesa, azulejos, bordados, linho, lã, sal, sabão, vidro, bolos e doces (cf. artistas plásticos como, por exemplo, Lourdes Castro, Ana Jotta, Ana Vidigal, Paula Rego, Carlos Nogueira, Ruth Rosengarten, Gilberto Reis, Rigo, Maria Felizol, Michel Laubu, Fátima Amorim, Danuta Wojciechowszka, Fátima Mendonça)."

Aproveito para recomendar a visualização do filme citado, é bastante esclarecedor. Tive oportunidade de assistir ao mesmo, numa iniciativa levada a cabo pela minha querida República Bota-Abaixo.

1 comentário:

Caecilia Fonseca disse...

À conta do respiganço já angariei um belo cesto de vime, em Sidney. Porque todos os meses, as pessoas colocam objectos nos passeios para quem passar, e gostar de algo em particular, levar o que quiser, e reaproveitar o objecto. Dá um jeitaço.